quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Por Acaso


Eles não se viam há tempos e se encontraram meio que por acaso.

Deus havia resolvido premiá-los, já que ela havia feito as pazes com a mãe e ele havia largado o cigarro.

A quantidade de pessoas que transitava pela rua quase fez com que não se reconhecessem.

Ele andava apressado, tinha uma consulta médica.

Ela falava com alguém ao celular, mas tratou de logo encerrar a conversa para poder cumprimentá-lo.

Sorriram, se abraçaram, perguntaram um ao outro como ia a vida.

Responderam ambos que a vida ia bem – e corrida. “Ah, que vida é essa, não temos tempo para mais nada!”.

Ele disse que tinha um compromisso, com ar de mistério. Preferiu não dizer que os seus rins estavam lhe matando e iria ao urologista para ver o que fazer.

Ela completou que o seu horário de almoço também estava no final, precisava ir. No seu escritório era assim, “todo mundo cuidando da vida de todo mundo”.

Comentaram sobre tomar um café um dia desses, algo que sempre falavam, mas nunca faziam.

Ele seguiu caminhando em direção ao consultório, sem muita convicção de que a consulta seria mesmo necessária: já não sentia aquela dor.

Ela, ao contrário do que havia dito, tinha acabado de sair do escritório, mas já não sentia fome. Sorridente, trocou o almoço por um delicioso sorvete de creme, seu sabor favorito.

O dia prosseguiu bem para os dois.

Ele se sentia leve.

Ela se sentia feliz.

E haviam sido só uns três minutos de conversa.

“Questão de energia”, elocubrou ela.

“Ela não pode nem sonhar com isso”, pensava ele.

Os dias se passaram e a dor dele voltou.

O mau humor dela também.

Ele retornou ao médico, que lhe receitou uns tarja pretas.

Ela se entupiu de batatas fritas nos cinco almoços que se seguiram.

Nenhum dos dois tomou a iniciativa de marcar o café.

Ele achava que tinha que disfarçar.

Ela achava que era ele quem tinha que ligar.

Ele voltou a fumar.

Ela cortou relações com mãe, que criticou a escolha do tecido das suas novas almofadas.

E então Deus achou que eles não mereciam mais acasos.

E, para ambos, a vida prosseguiu de forma previsivelmente sem graça.

Como tantas e tantas por aí.

Um comentário:

  1. Meu Amoreco Peteleco,

    Muito legal, com sempre simples e brilhante como lhe é peculiar.

    Beijos e te amo.

    El Tosquinho.

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